Foram cerca de 70 horas de acaloradas discussões, lágrimas, discursos pela madrugada e ameaça de uso do “poder de polícia” para conter os ânimos até que chegasse, finalmente, o dia do juízo final para a presidente afastada, Dilma Rousseff, acusada de cometer crime de responsabilidade. Nesta quarta-feira, último dia do mês de agosto, o Senado concluirá o segundo processo de impeachment de um presidente na história democrática.
Ao que tudo indica, o resultado da votação que se iniciará na manhã desta quarta-feira trará para Dilma um resultado quase tão trágico quanto aquele vivido no mesmo mês de agosto por alguns dos antecessores que a petista citou em seu discurso na segunda-feira. Foi o mês em que Getúlio Vargas tirou a própria vida e que Juscelino Kubitschek morreu. Foi também o mês da renúncia de Jânio Quadros, ato que, anos depois, desembocaria no regime militar, período citado por Dilma em sua fala para comparar a tortura que então sofreu ao momento que vive hoje. Uma vez confirmado o impedimento dela, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ) deverá assumir interinamente a Presidência da República da noite desta quarta-feira até a próxima terça-feira, já que Michel Temer pretende embarcar para a China logo após ser empossado pelo Congresso Nacional.
Em levantamento do GLOBO, 53 senadores já admitiram votar a favor do impeachment. São necessários 54 votos para que Dilma seja cassada. Mas o clima na noite de terça-feira, consolidado após as longas horas da sessão, era francamente favorável ao impeachment. Os poucos senadores que resistiam em anunciar publicamente seus votos eram contabilizados pelo Palácio do Planalto como favoráveis à cassação da presidente afastada. Confiantes no resultado, auxiliares do presidente interino, Michel Temer, afirmavam que o “centro da meta” seriam 60 votos, com margem de até dois a mais, ou dois a menos. Ou seja, um número ainda mais folgado que os 59 votos obtidos há três semanas, quando o Senado levou Dilma a julgamento.
No plenário do Senado, durante a arrastada sessão que teve 65 senadores inscritos para falar, cada um por dez minutos, o senador Fernando Collor (PTC-AL), alvo de impeachment em 1992, fez críticas ao governo petista e negou a tese do golpe, como defende o PT. Sinalizando que pode ser o 54º voto a favor do impeachment, ele comparou sua situação à de Dilma afirmando que, quando foi alvo do impedimento, “forças conjugadas simularam uma crise política de governabilidade”, mas, hoje, o cenário é outro.
Collor disse que Dilma transformou sua gestão em uma “tragédia anunciada” e enfrenta um “desfecho típico de um governo que faz da cegueira econômica o seu calvário, e da surdez política o seu cadafalso”.
Neste último dia antes do julgamento final, houve também choro dos dois lados. Enquanto a autora do pedido de impeachment, Janaína Paschoal, emocionou-se ao dizer que pedia o impedimento da presidente afastada pensando em todos os brasileiros, inclusive nos netos de Dilma, o advogado da petista, José Eduardo Cardozo, chorou durante entrevista ao apontar o que vê como uma “injustiça” contra sua chefe.
No PT, os discursos miravam mais o futuro a médio prazo do que uma tentativa imediata de virar votos. Cientes de que a votação deste último dia de agosto pode enterrar de vez a era de hegemonia petista, os senadores do partido alertavam para a “tragédia” de um governo Temer, voltado para o capital privado e exigindo sacrifícios sociais, numa indicação sobre o tom da oposição que poderá ser liderada pelo PT.
Enquanto o polêmico senador Magno Malta (PR-ES) dizia presenciar o mais triste “velório” pela ausência de mobilização pró-Dilma, o Planalto já se preparava para a posse definitiva de Temer. A cerimônia, prevista para esta tarde, no plenário da Câmara selará o desfecho do impeachment nove meses após o então poderoso presidente da Câmara, o hoje deputado afastado Eduardo Cunha (PMDB-RJ), ter dado início ao processo.
(O Globo)